domingo, 29 de agosto de 2010

Sinal de Leitura Texto 05

SINAL DE LEITURA TEXTO 05


O Trabalho da Interpretação

Valter Filho
Vandeilton Trindade

A reflexão sobre o silêncio (Orlandi, 1992) abre perspectiva para uma nova forma de conceber a questão discursiva, a qual se refere a um ponto de vista teórico, permitindo compreender melhor a questão da incompletude como constitutiva da linguagem. Uma vez que há uma relação importante entre o silêncio, a incompletude e a interpretação. Sendo que essa incompletude não deve ser pensada em relação a algo que seria (ou não) inteiro, mas antes em relação a algo que não se fecha.
O que ficou melhor estabelecido sobre o silêncio (Orlandi, ibidem), é que o silêncio é fundante (não há sentido sem o silêncio) e esta incompletude é função do fato de que a linguagem é categorização dos sentidos do silêncio, modo de procurar domesticá-los. O silêncio é sentido contínuo, indistinto, horizonte possível da significação. A linguagem mesmo em sua vocação à unicidade, à discrição, ao completo, não tem como suturar o possível, porque não tem como não conviver com a falta, não tem como trabalhar (com) o silêncio. A linguagem é estrutura e acontecimento, tendo assim de extrair na relação necessária com a história (e com o equivoco).
È através do discurso que se compreende melhor a relação entre a linguagem/pensamento/mundo, porque o discurso é uma das instâncias materiais (concreta) dessa relação. Como os sentidos não são indiferentes à matéria significante, a relação do homem com os sentidos se exerce em diferentes materialidades, em processos de significação diversos: pintura, imagem, música, escultura, escrita, etc. a matéria significante e/ou a sua percepção, afeta o gesto da interpretação, de uma forma a ele.
Os lugares em que surgem as notas de rodapé, nas reedições de textos do século XVII ao século XIX, são justamente os pontos em que há a possibilidade de fuga dos sentidos: onde a alteridade ameaça a estabilidade dos sentidos, onde a história trabalha seus equívocos, onde o discurso deriva para outros discursos possíveis. Daí a necessidade das notas como um aparato de controle, de administração da polissemia, do governo da historicidade: lá onde o silêncio afronta a gregariedade da linguagem e a domesticação dos sentidos, irrompe a nota de rodapé, procurando inutilmente completar o que não se completa e resta como horizonte do possível.
O texto é essa peça significativa que, por um gesto de autoria, resulta da relação do “sitio significante” com a exterioridade. Um texto produzido em computador e um texto produzido a mão são distintos em sua ordem porque as memórias que os enformam são distintas em suas materialidades: uma é histórica e a outra é formal. A informatização, a prática escrita da escrita de textos no computador, transforma efetivamente a relação do autor com sua escrita, em função da mudança da materialidade da memória discursiva, algoritmizada, nesse caso.
Todas essas considerações apontam para a incompletude: porque são varias as linguagens possíveis, porque a linguagem se liga necessariamente ao silêncio, porque o sentido é uma questão aberta, porque o texto é multidirecional enquanto espaço simbólico.
A interpretação é um “gesto”, ou seja, é um ato no nível simbólico (Pêcheux, 1969). O gesto da interpretação se dá porque o espaço simbólico é marcado pela incompletude, pela relação com o silêncio. A interpretação é o vestígio possível. É o lugar próprio da ideologia e é “materializada” pela história.
O sentido é sempre uma palavra, uma preposição por outra e essa superposição, essa transferência (“meta-phora”) pela qual elementos significantes passaram a se confrontar, de modo que se revestem de um sentido, não poderia ser predeterminada por propriedades (intrínsecas) da língua. Os sentidos só existem nas relações de metáfora dos quais certa formação discursiva vem a ser lugar mais ou menos provisório: as palavras, expressões, proposições recebem seus sentidos das formações discursivas nas quais se inscrevem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário